domingo, 4 de julho de 2010

Bissassema - texto do ex-alferes Trabulo, hoje Coronel:



Com a gentileza do Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, transcrevemos este seu artigo, que relata o que se passou no desastre de Bissassema, em Fevereiro de 1968.


Conjunto João Paulo e o Alferes Rosa
Hoje vou recordar um dos mais terríveis e tristes dias que vivemos em Tite.


O conjunto João Paulo estava em Tite quando chegámos da Operação " Velha Guarda" em 31Jan/01Fev68 que efectuamos na região de Bissássema e Banaussa e deixámos em Bissássema o Alferes Rosa, da CART 1743, com e seu pelotão de europeus e mais 3 pelotões de milícias, estes armados de mauser; para guarnecer e controlar a região de Bissássema pois esta situava-se em frente de Bissau do outro lado do rio Geba. Pensou-se que ocupar Bissássema não parecia ser muito difícil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham desaparecido sem deixar rasto. Foi nesta operação que tivemos os primeiros militares feridos: o Augusto José Rebouta e o Manuel Branco, na região de Brandãozinho. O conjunto João Paulo era, na altura, um conjunto de renome nacional e foi a Tite para dar um espectáculo para "levantar a morar das tropas" o que pelos vistos não se verificou. Viram, foi os horrores e amargura de uma guerra e nunca lhes passou pela cabeça o que iriam viver e presenciar na sua vida de cantores e de militares. Encontram-se na foto tirada com os outros oficiais junto ao monumento da parda do quartel de Tite.


Diz a História da Companhia:


" Depois do ataque IN, em 030000FEV68, a BISSÁSSEMA, as posições das NT que se encontravam naquela tabanca ficaram desguarnecidas.


Encontrando-se esta C. Caç. em TITE, recebeu ordem para se deslocar para BISSÁSSEMA a fim de socorrer as NT que se encontravam nessa tabanca. Á chegada a BISSÁSSEMA, verificou-se que o IN já havia retirado, apenas se encontravam na tabanca um pequeno número de elementos da população. Foi dada ordem a esta Companhia para guarnecer BISSÁSSEMA a fim de proteger a população."


Tinham apenas passado 19 dias da nossa permanência na Guiné. Em consequência da forte flagelação, o IN na madrugada de 3 de Fevereiro de 1968 ocupou Bissássema, tendo feito prisioneiros o Alf. Rosa e mais dois militares e os restantes puseram-se em debandada para salvar a vida. Na retirada desapareceram um furriel e sargento da milícia de Tite que mais tarde foi encontrado morto no rio Geba. No percurso para Bissássema deparámos com a terrível visão do que tinha acontecido aos nossos camaradas.


Ainda hoje temos nos nossos olhos o doloroso estado em que se encontravam na fuga para Tite, bem como as lágrimas que lhes vimos na face, os olhos cobertos de lama e a maioria descalços e rotos ou mesmo nus, parecendo figuras de filmes de terror, apenas com forças para agarrarem desesperadamente a G3, a sua própria e única salvação para manter a vida, quando em redor somente havia a morte...


Pela meia-noite começou um ataque do PAIGC, meia hora depois o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir começou um novo ataque, a força do PAIGC entrou dentro do quartel lançando granadas e semeando o pânico. Abalado com a explosão de uma granada, António Rosa e dois soldados, Capitulo e Contino,  todos da CART 1743, foram apanhados à mão. Na noite de 21 de Novembro de 1970, no decurso da operação "Mar Verde" portugueses na Guiné-Conacri irão ser libertados e transportados em navios de guerra até aos Bijagós e daqui para Bissau e depois Lisboa. Segue-se o regresso a Abrunhosa-a-Velha do António Júlio Rosa.


Joaquim Caldeira
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2 comentários:

  1. Este artigo foi escrito pelo Alf. Mil. Trabulo da CCAÇ 2314, agora Coronel Reformado da GNR

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  2. Caro Leandro. O artigo escrito no BLOG C CAÇ 2314 sobre O Alferes Rosa e a aventura de Bissássema é da autoria do coronel Trabulo a quem solicitei que relatasse algumas das suas memórias. Tive o cuidado de fazer alusão ao facto de terem sido escritas por ele, a quem fico grato. Gostei de ver o artigo transcrito no BLOG do BART 1914. Afinal o Alferes Rosa nem pertencia à minha companhia.
    Um abraço, caro amigo.

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